Torto Arado Itamar – Vieira Junior

Sinopse

As irmãs Bibiana e Belonísia encontram uma velha e misteriosa faca na mala guardada sob a cama de sua avó no sertão baiano. Então acontece um acidente. Além disso, suas vidas estarão tão interconectadas que uma deve ser a voz da outra para sempre. O romance conta uma história de vida e morte, lutas e redenção, conduzida com maestria e uma prosa melodiosa.

Resenha

Torto Arado, escrito por Itamar Vieira Junior, foi publicado em 2019 pela Editora Todavia. Acima de tudo, é um livro indicado de amiga para amiga. É uma leitura que entra debaixo da pele e se transforma em nós.

O cenário da história é a Fazenda Água Negra, localizada no Sertão da Bahia, no início dos anos de 1960. Os trabalhadores que vivem nesta área são descendentes de uma escravidão que foi abolida apenas no papel e pouco no cotidiano. Essa é uma realidade que ainda existe em várias regiões do Brasil. O livro também conta as histórias dessas trabalhadoras e trabalhadores.

As personagens principais do livro são Bibiana e Belonísia, que são principalmente mulheres. Por razões que merecem ser confidenciadas diretamente pelo livro, as irmãs passam a vida aprendendo a unir suas duas vozes em uma única corda vocal.

Torto Arado [pdf] é um livro de viagem. Ao abrir as páginas, o quarto ao meu redor já não existia. Eu, Bibiana, irmã de Belonísia, vi à minha frente a mala de couro de caititu da minha avó Donana, que estava suja e com manchas de terra. Isso foi o início do Torto Arado [pdf]. Sentia an adrenalina transgressora de quem se arrisca a mexer em algo proibido em meu corpo.

A história é revezada entre as duas irmãs – na verdade, entre três personagens – mas conecta várias pessoas. Devido ao fato de que os proprietários do terreno não são os responsáveis pela enxada, é uma trama de desigualdade. É uma história de violência, fome, falta, seca, agressão familiar, perda e medo. Sobretudo, é uma história de forças ancestrais, luta e união. 

Toda a complexa rede de relações é costurada por meio de segredos compartilhados entre brincadeiras de jarê. A potência desses segredos se descobre ao longo dos acontecimentos que são revelados gradualmente pelas páginas do livro.

Naquela terra em que não chegava médico nem remédio, Zeca Chapéu Grande, pai das irmãs e curador do jarê, cuidava de todas as dores, encostos, aflições e doenças. Salustiana, mãe das irmãs e parteira das pessoas da região, dá origem às vidas de Água Negra. Salu é “mãe de pegação” dos filhos e filhas das trabalhadoras da fazenda que vinham ao mundo com um destino único de labutar na terra seca.

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As duas meninas deparam-se com uma bifurcação de trilhos-trajetória no caminho para an adolescência: Belonísia se torna personagem da vida da fazenda, enquanto Bibiana parece incapaz de tolerar as injustiças daquela vida. Belonísia se mistura à terra arada tortamente; Bibiana luta pela emancipação e pelo direito à terra.  

Acompanhei as duas irmãs em suas viagens e senti os mesmos sentimentos que Itamar descreveu tão bem. Senti terra, milho e feijão debulhado em minhas mãos; pesquei no Rio Santo Antônio; acendi candeeiros e velas; vivenciei noites de jarê; avistei vagalumes; dancei festas de santos ao som de pífaro e atabaque; abriguei-me embaixo de umbuzeiro; e tudo isso aconteceu durante as noites de jarê.

Vi as plantações, as vagens, os pés de tomate, os quiabos e an abóbora secarem; Tornei-me também amor, ódio, ciúmes, raiva, dor, fome e encantamento. É como se as descobertas delas fossem minhas também.

Com licença, não pretendo escrever uma resenha ao longo da trama para não prejudicar o prazer dos leitores e leitoras em desvendar os enigmas por trás de Torto Arado. No entanto, aconselho a todos a relaxarem: a partir do início da leitura, é uma viagem interminável ao Sertão baiano, reconstruído pela escrita refinada e talentosa de Itamar Vieira Júnior.